Não é por apenas 20 centavos.
Você ainda não sabe o porquê dos diversos protestos que surgiram no país? Confira essa carta que explica o porquê deles.
"Foi a gota d'água na garganta do brasileiro! Agora que o foco é qualquer coisa, "o gigante acordou"!
A verdade é que eu nem pisco pra 50 mil homicídios por ano, quando a caracterização de guerra civil é em 10 mil. Eu tolero R$ 1,5 trilhão em impostos também por ano ano, o que nos deixa mais ou menos com 30 fodendo MILHÕES de reais para evitar CADA homicídio nesse país.
Eu tolero mensalão, PEC 37, transformar o STF em escritório de advocacia do PT (Toffoli, Lewandowski, Rosa Weber e Barroso lá nem fazem diferença, mesmo).
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Eu tolero o salariozinho de merda até de deputado que não é corrupto. Eu agüento no rabo impávido e colosso que tudo o que custa US$ 10 na América aqui saia pela bagatela de 80 mangos, mas é tudo para proteger os pobres e fazer distribuição de renda com impostos, porque certamente estamos diminuindo muito a desigualdade social fazendo com que só rico possa ter carro importado, enquanto o pobre tem de usar ônibus cartelizado pelas únicas empresas cupinchas da prefeitura (ou seja, do prefeito), financiando ainda mais os bolsos do Estado. Aliás, também tô cagando e andando um torosso federal pro preço da gasolina, mais cara da América Latina e uma das mais caras do planeta.
Isso tudo porque eu amo a Petrobras e engulo ao invés de cuspir a litania de que ela é "do povo", ainda mais pra dar uma rouanetada e projetar a "cultura", porque gente é o que inspira a gente (mas só quem se favorece é grande "artista" – o petróleo não é nosso, é do Tico Santa Cruz e da Maria Bethânia), mesmo que, quando eu vá no posto, dizer que o petróleo é meu só faz o frentista me mandar alargar meu anel rugoso. E meu hímen complacente também agüenta fundo que esfarelem qualquer proteção que o indivíduo tenha contra o governo, que aceitem cortes internacionais aumentando o poder com uns vizinhos maravilhosamente democráticos como os nossos, porque sei que o comunismo já era, e assim que caiu o Muro, 100% dos que acreditam em Marx no mundo se convenceram de que aumentar o poder do Estado não vale a pena da noite para o dia.
Sobretudo, eu suporto no cangote sem chiar que nossa cultura não mereça senão as duas primeiras letras, que sejamos o único país no planeta em que a literatura não espelhe em nada a realidade atual, que tudo o que se diga seja sobre a ditadura militar, que os estadunidenses malvados estão nos manipulando e tudo se resolverá com mais educação, mesmo que eu não saiba o que cazzo se ensina numa faculdade de pedagogia. E eu não movo uma palha contra gente concentrando o poder e me obrigando a trabalhar até maio todo ano para financiar suas mordomias e têm passagens semanais pagas porque ninguém agüenta viver na soviética Brasília, enquanto uma viagem de avião custa o preço de um rim em aeroportos que só não causam mais acidentes por milagres, e mesmo quando matam centenas de pessoas de uma vez enquanto jornais governistas dizem para mim no dia seguinte que a pista estava em ótimas condições, eu só vejo nisso um motivo para falar "chupa, Jornal Nacional!"
O que são 60 mil mortes no trânsito por ano, senão acidentes de percurso? O que é a inflação, senão um fato da vida, que um governante nunca, sob nenhuma hipótese, iria causar para financiar seus gastos luxuosos sem precisar aumentar impostos, e depois pedir voto dizendo que a inflação tá difícil de controlar, mas vamos vencer esse mal terrível fazendo o dinheiro do pobre valer menos que papel higiênico usado? Eu nem sei que o preço do tomate aumentou 150% em um mês, porque minha consciência política é de poder popular de Vila Madalena, e nunca fiz feira uma única vez na vida. E estou me lixando para termos uma maioridade penal cabível talvez no Paraíso muçulmano enquanto assassinam 3 pessoas incendiadas porque elas não tinham dinheiro o suficiente e ainda compro uma verborréia mela-cueca de que a culpa dos assaltos é dos assaltados, invertendo sempre sujeito e objeto e culpando a classe média e outras generalidades da qual eu mesmo faço parte. Isso dá para suportar numa boa, afinal, querer mudar isso é coisa de fascista extremista.
Mas aí aumentam o preço da passagem de ônibus em R$ 0,20 e o PSTU organiza um protesto, toma um spray da PM depois de explodir uma bomba no metrô e vandalizar a cidade inteira e agora está todo mundo contra tudo isso que está aí. Aí não deu para agüentar. Foi a gota d'água. O gigante agora acordou e vou protestar exatamente quando o PSTU me mandar, porque minha consciência política vai mudar o mundo e os governantes vão finalmente me temer. Agora é muito mais do que R$ 0,20 centavos e serei completamente apartidário, porque sei colocar a importância das coisas em perspectiva. Foi a gota d'água."